Eu estava um tanto triste e decidi caminhar. A locadora ficava no caminho e foi, como de costume, uma parada inevitável. Gosto de percorrer as prateleiras e observar os filmes, mesmo que não alugue nada e tenha que sair meio sem graça perante o olhar da atendente. Naquele dia eu não procurava nenhuma coisa indicada por amigos ou sucesso de críticas. A necessidade era descobrir algo diferente, que me falaria sobre o momento vivido por mim. Gosto de descobrir coisas ao acaso, em locadoras, sebos, bancas de jornal, livrarias, feiras… Algo que escapa à internet e ao que circula nas demais mídias e nos meios que frequento de amigos e ideias.
Descobri, então, que a sessão de documentários (campo/gênero cinematográfico que é foco de minhas pesquisas e trabalhos) estava agora numa sala a parte, semelhante aos filmes pornôs. Um nome me chamou a atenção durante a busca: Solitário anônimo, de Debora Diniz.
Assim dizia a sinopse:
Um idoso deitado na grama à espera da morte. No bolso, um bilhete anunciava ser de terras distantes. Não havia documentos ou posses. Seu desejo era morrer solitário e anônimo. Esse é o início do documentário que conta a impressionante história de um homem obstinado a planejar e controlar sua morte. É um filme sobre a liberdade, a vida e a morte.
Não percebi, portanto, que se tratava de um curta-metragem, nem poderia imaginar que era um filme disponível no You Tube. Mas valeu a pena.
Terminei o filme maravilhado. Impossível não se afeiçoar por aquele senhor que só quer morrer em paz, anônimo. Mas fiquei com várias perguntas na cabeça. Como estou disponibilizando o vídeo e acho chato escrever a parte descritiva, vou passar para algumas delas, que dizem um pouco das impressões que tive:
– Há alguma chance de sermos anônimos hoje?
– Há alguma chance de sermos sozinhos hoje?
– Se o documentário que acabamos de ver (junto com a maciça presença da imprensa) impede a possibilidade de anonimato somos, então, cúmplices? Cúmplices em transformar alguém que exigia morrer sozinho num “personagem”?
– Seria ilógico fazer a pergunta acima, visto que essa discussão inexistiria se não tivéssemos assistido ao filme?
– Há, então, certos temas que não deveriam se tornar documentários? Como o de um homem em luta pelo anonimato?
– Ao filmar a violenta cena da sonda, onde o Anônimo estava vulnerável e lutava contra a vida, o documentário também comete uma violência?
– A luta pelo direito ao seu próprio corpo que o filme pode sugerir é algo que faz o filme valer a pena?
– Se o “passado é um monte de lixo”, o “presente é o real” e “o futuro é uma hipótese”, o que é o filme que vimos? Esta obra que guarda a resistência do Anônimo em viver?